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Estatuto criaria "racismo de Estado", diz antropóloga
Para professora, lei da igualdade racial institucionalizaria o preconceito e não ajudaria em seu combate na sociedade
Intelectual contrária às cotas defende criação de mais vagas e cursos na universidade pública em vez da reserva de cadeiras
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Pouco menos de um mês depois de entregar ao governo um
manifesto contra o projeto de
Lei de Cotas e o Estatuto da
Igualdade Racial, a antropóloga
Yvonne Maggie, uma das autoras do texto, comemora. O documento, assinado por 114 intelectuais, acadêmicos e artistas,
vem acumulando adesões que
já somam 900 pessoas.
Em entrevista à Folha, a professora da UFRJ (Universidade
Federal do Rio Janeiro) disse
que as cotas e o estatuto desestruturam a idéia de nação ao
dividir a população em duas raças. Defendeu ainda que as universidades públicas recebam
mais alunos, sem ter de adotar
uma política de cotas.
Leia a entrevista que concedeu na última quinta-feira.
FOLHA - O que você achou da repercussão que a polêmica dos estatutos causou nas últimas semanas?
YVONNE MAGGIE - Vejo que houve uma reação interessante.
Nossa carta foi assinada por 114
pessoas e agora já temos quase
900 adesões. Constituiu-se um
movimento. Antes éramos apenas pesquisadores, intelectuais
e artistas isolados e estávamos
falando no deserto. Mas, o debate se tornou de toda a nação.
FOLHA - Qual é o problema com a
lei de cotas e com o estatuto?
MAGGIE - A grande crítica que
temos não é ao diagnóstico, é à
solução. Qual é o apelo das cotas e do Estatuto da Igualdade
Racial para a sociedade? É que
parece ser uma solução fantástica para acabar com a desigualdade. Mas nós contestamos isso. A grande discussão é como
combater o racismo.
FOLHA - As cotas não poderiam
ajudar nesse processo?
MAGGIE - O estatuto e as cotas
nos pressionariam a não sermos mais brasileiros. Ao estabelecer a classificação dos brasileiros em duas raças, seremos
uma outra nação. Somos a favor de uma legislação que combata o racismo, que tenha o racismo como crime hediondo,
comparável ao terrorismo.
O que as pessoas que são a favor das cotas nos dizem é que
este país já é, na prática, dividido. Bem, mas uma coisa é o racismo na sociedade, outra coisa
é o racismo de Estado. É contra
esse racismo de Estado que nos
colocamos. E a favor da proposta de uma legislação "arracial".
FOLHA - Os que defendem as cotas
dizem que os cotistas têm alcançado
bons resultados na universidade.
MAGGIE - Não me espanto com
o fato de os cotistas se saírem
muito bem. Por que não se sairiam? A questão é que a universidade pública tem de abrir as
suas portas, e as cotas são uma
forma precária de fazer isso. Só
vão criar problemas. É preciso
reavaliar o potencial da universidade pública de fazer ensino
de massa.
FOLHA - Como seria a reavaliação?
MAGGIE
- Nós temos, nas universidades públicas, um grande
potencial de abertura e de ampliação dos cursos. Porque não
abrimos mais vagas? Temos
professores e temos salas de
aula suficientes para termos
mais alunos. O problema não é
colocar pessoas para dentro da
universidade, é fazer elas se
formarem. Estabelecer cotas é
trocar seis por meia dúzia.
FOLHA - Se o texto do Estatuto for
amenizado, você acha que ele poderia ser aplicado?
MAGGIE - O Estatuto é um problema. A única forma de combater o racismo é criar campanhas nacionais, investir em delegacias de disque-racismo, por
exemplo. O estatuto poderia
ser da igualdade e não da igualdade racial, pois igualdade racial é uma contradição. Se existem raças, não existe igualdade.
A primeira lição é que raça não
existe. Identidade étnica só faz
sofrimento, é uma invenção.
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