São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estatuto criaria "racismo de Estado", diz antropóloga

Para professora, lei da igualdade racial institucionalizaria o preconceito e não ajudaria em seu combate na sociedade

Intelectual contrária às cotas defende criação de mais vagas e cursos na universidade pública em vez da reserva de cadeiras

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco menos de um mês depois de entregar ao governo um manifesto contra o projeto de Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, a antropóloga Yvonne Maggie, uma das autoras do texto, comemora. O documento, assinado por 114 intelectuais, acadêmicos e artistas, vem acumulando adesões que já somam 900 pessoas. Em entrevista à Folha, a professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro) disse que as cotas e o estatuto desestruturam a idéia de nação ao dividir a população em duas raças. Defendeu ainda que as universidades públicas recebam mais alunos, sem ter de adotar uma política de cotas. Leia a entrevista que concedeu na última quinta-feira.
 

FOLHA - O que você achou da repercussão que a polêmica dos estatutos causou nas últimas semanas?
YVONNE MAGGIE
- Vejo que houve uma reação interessante. Nossa carta foi assinada por 114 pessoas e agora já temos quase 900 adesões. Constituiu-se um movimento. Antes éramos apenas pesquisadores, intelectuais e artistas isolados e estávamos falando no deserto. Mas, o debate se tornou de toda a nação.

FOLHA - Qual é o problema com a lei de cotas e com o estatuto?
MAGGIE
- A grande crítica que temos não é ao diagnóstico, é à solução. Qual é o apelo das cotas e do Estatuto da Igualdade Racial para a sociedade? É que parece ser uma solução fantástica para acabar com a desigualdade. Mas nós contestamos isso. A grande discussão é como combater o racismo.

FOLHA - As cotas não poderiam ajudar nesse processo?
MAGGIE
- O estatuto e as cotas nos pressionariam a não sermos mais brasileiros. Ao estabelecer a classificação dos brasileiros em duas raças, seremos uma outra nação. Somos a favor de uma legislação que combata o racismo, que tenha o racismo como crime hediondo, comparável ao terrorismo. O que as pessoas que são a favor das cotas nos dizem é que este país já é, na prática, dividido. Bem, mas uma coisa é o racismo na sociedade, outra coisa é o racismo de Estado. É contra esse racismo de Estado que nos colocamos. E a favor da proposta de uma legislação "arracial".

FOLHA - Os que defendem as cotas dizem que os cotistas têm alcançado bons resultados na universidade.
MAGGIE
- Não me espanto com o fato de os cotistas se saírem muito bem. Por que não se sairiam? A questão é que a universidade pública tem de abrir as suas portas, e as cotas são uma forma precária de fazer isso. Só vão criar problemas. É preciso reavaliar o potencial da universidade pública de fazer ensino de massa.

FOLHA - Como seria a reavaliação?
MAGGIE
- Nós temos, nas universidades públicas, um grande potencial de abertura e de ampliação dos cursos. Porque não abrimos mais vagas? Temos professores e temos salas de aula suficientes para termos mais alunos. O problema não é colocar pessoas para dentro da universidade, é fazer elas se formarem. Estabelecer cotas é trocar seis por meia dúzia.

FOLHA - Se o texto do Estatuto for amenizado, você acha que ele poderia ser aplicado?
MAGGIE
- O Estatuto é um problema. A única forma de combater o racismo é criar campanhas nacionais, investir em delegacias de disque-racismo, por exemplo. O estatuto poderia ser da igualdade e não da igualdade racial, pois igualdade racial é uma contradição. Se existem raças, não existe igualdade. A primeira lição é que raça não existe. Identidade étnica só faz sofrimento, é uma invenção.


Texto Anterior: Estudos apontam bom rendimento de cotistas
Próximo Texto: Críticas a cotas são "cegueira social", afirma ministra
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.